Os métodos de tecnologia e pesquisa da neurociência começaram a revelar, em nível mais básico, o que acontece no cérebro quando aprendemos algo novo. Conforme estes estudos amadurecem, pode tornar possível a um pré-escolar, ou até mesmo a um bebê, participar de exercícios simples para garantir que a criança esteja cognitivamente equipada para a escola. Se bem sucedidas, essas intervenções podem exercer um efeito potencial enorme sobre as práticas educacionais, reduzindo drasticamente a incidência de várias dificuldades de aprendizado. Cientistas, educadores e pais também devem tomar cuidado com alegações exageradas de métodos de treinamento do cérebro que se propõem ajudar os jovens, mas cuja eficácia ainda não foi comprovada.
Lucas Kronmiller, de 8 meses, acaba de ter grande parte da superfície da cabeça carequinha ajustada numa touca com 128 eletrodos. Diante dele, um assistente de pesquisa sopra bolhas freneticamente para entretê-lo, mas Lucas parece calmo e alegre. Afinal, o Laboratório de Estudos sobre a Infância, da Rutgers University, já não é novidade para ele. Lucas frequenta esse espaço desde 4 meses de idade. Ele, e mais de mil outros jovens nos últimos 15 anos, estão ajudando April A. Benasich e suas colegas a desvendar, mesmo na mais tenra idade, se uma criança terá dificuldades de linguagem, uma carga difícil no início do ensino fundamental.
Benasich está entre os cientistas de um grupo que emprega técnicas de gravação do cérebro para entender os processos essenciais que fundamentam a aprendizagem. A nova ciência da neuroeducação busca respostas a perguntas que sempre intrigaram os psicólogos cognitivos e os pedagogos. É o caso, por exemplo, da capacidade de um recém-nascido de processar sons e imagens ser relacionada à aptidão de aprender letras e palavras, alguns anos mais tarde? O que significa a média de capacidade de concentração mental de um menino, em idade pré-escolar, para o posterior sucesso acadêmico? O que os educadores podem fazer para promover aptidões sociais das crianças - também essenciais na sala de aula? Esses estudos podem complementar a riqueza de conhecimento estabelecida pelos programas de pesquisa em psicologia e educação.
Também prometem oferecer novas idéias, fundamentadas na ciência do cérebro, para melhorar o aprendizado dos alunos e preparar bebês e crianças para a leitura, escrita, aritmética e sobrevivência na complexa rede social da creche e além dela. Grande parte desse trabalho concentra-se nos primeiros anos de vida e nos anos iniciais do ensino fundamental, pois alguns estudos mostram que o cérebro tem maior capacidade de mudança nesse momento.
• Momento do "ahá!"
April estuda anomalias no modo como o cérebro de crianças mais jovens percebe o som, processo cognitivo fundamental para a compreensão da linguagem que, por sua vez, forma a base para a competência em leitura e escrita. A ex-enfermeira, que batalhou até obter dois doutorados, concentra-se no que chama de o momento "ahá!" - uma transição abrupta na atividade elétrica do cérebro, sinalizando que algo novo foi reconhecido.
Os cientistas do laboratório de April, em Newark, Nova Jersey, expõem Lucas e outros bebês a tons de certa frequência e duração. Depois, gravam uma mudança nos sinais elétricos gerados no cérebro quando uma freqüência diferente é tocada, Em geral, o traço eletroencefalográfico (EEG) desce em resposta à mudança, indicando que o cérebro basicamente diz: "Sim, algo mudou". Um atraso no tempo de resposta para os tons diferentes aponta que o cérebro não detectou o som com rapidez suficiente. A pesquisa descobriu que esse padrão lento de atividade elétrica aos 6 meses pode prever problemas linguísticos dos 3 aos 5 anos de idade. Diferenças na atividade que persistem durante os 3-4 anos e na idade pré-escolar da criança podem predizer problemas no desenvolvimento dos circuitos cerebrais que processam as transições rápidas durante a percepção das unidades básicas do discurso. Se as crianças deixam de ouvir ou processar os componentes do discurso - vamos dizer, um "da" ou um "pa" - com a rapidez necessária, aos 3-4 anos, elas podem demorar "a questionar o som" de letras escritas ou sílabas mentalmente, o que mais tarde pode impedir fluência na leitura. Essas descobertas recentes oferecem confirmação mais rigorosa de outra pesquisa de April, que mostra que as crianças que se deparam com problemas no início do processamento desses sons saem-se mal em testes psicológicos de linguagem 8 ou 9 anos mais tarde.
Se April, e outros, conseguem diagnosticar problemas futuros de linguagem em bebês, também podem conseguir corrigi-I os, explorando a plasticidade inata do cérebro em desenvolvimento, sua capacidade de mudar em resposta a novas experiências. Eles podem até mesmo melhorar o funcionamento básico de um cérebro de bebê que está se desenvolvendo normalmente. "O melhor momento para ter certeza de que o cérebro está se organizando de maneira ideal para o aprendizado, talvez seja na primeira parte do primeiro ano', avalia ela. Os jogos, mesmo no berço, podem ser uma resposta. April e sua equipe criaram um jogo que treina o bebê a reagir à mudança de tom girando a cabeça ou movendo os olhos (ações detectadas por um sensor de rastreamento). Quando o movimento ocorre, um trecho de vídeo é reproduzido como recompensa pelo esforço. Em um estudo preliminar relatado no final do ano passado, este treinamento do cérebro para bebês, praticado por um período de semanas, permitiu que um grupo de 15 bebês saudáveis reagisse mais rapidamente aos tons que um grupo de controle. April espera que sua pesquisa confirme que o jogo também possa ajudar crianças deficientes a responder mais rapidamente no processamento desses sons. Ela começou a conversar com um desenvolvedor de brinquedos interessado em criar um móbile que poderia ser colocado na lateral do berço, em casa, para treinar as crianças na percepção de sequências rápidas de som.
Fonte: SCIENTIFIC AMERICAN ON-LINE