Era por volta das treze horas. Como de costume, Vovólima estava em pé do lado de fora do portão, olhando atentamente para a esquina. De lá é que surgia o momento tão esperado: a chegada da perua escolar.
Após o passar de alguns carros, a vovó pôde vislumbrar a frente da Kombi branca, com sua enorme faixa lateral amarela, com o dizer “ESCOLAR” em fortes letras negras. Para ela, aquela palavra era entendida como “CHEGUEI!” ou qualquer outra palavra que carregasse a alegria de ver a sua pequena neta. Se alguém pudesse ler os seus pensamentos, poderia achar que ela não via sua querida menina há tempos quando -na verdade- esse era um ritual realizado quase que diariamente (de segunda à sexta-feira, para ser mais exato) em frente ao portão da vila.
Com o sinal aberto, em poucos instantes -porém com a sensação de ser uma eternidade- a perua pára na frente da Vovólima. Ao contrário do que ela esperava após o motorista abrir a porta, Fabine não veio pulando em sua direção, cheia de alegria com os braços abertos e um sorriso no rosto, pronta para beijá-la. Ao invés disso, ela caminhava devagar, com o olhar baixo – quase que em câmera lenta.
- A senhora está bem? – perguntou a vovó. Ela sempre chama a Fabine de “senhora” quando quer falar algo mais sério ou dar uma bronca (o que é raro)
- Nada não… to bem… – sem erguer o rosto ela respondeu. Vovólima pegou a mão da neta e as duas caminharam em silêncio até a casa de número catorze.
Dentro da casa o silêncio era tanto que se podia ouvir o barulho do relógio tiquetaqueando na sala. Até o Froid em sua cesta abriu o olho para ver o que as orelhas não podiam captar. Na cozinha, sons de pratos de cerâmica encontrando a antiga mesa rústica de madeira e talheres de aço encontrando esses pratos eram os únicos ruídos a ecoar. Do banheiro era possível ouvir as pequenas mãos se ensaboando como se refletissem sobre o funcionamento das bolhas e da espuminha branca. Pouco tempo depois, Fabine sentava-se à mesa enquanto a vovó colocava seu delicioso feijão com arroz no seu prato. Hoje tinha bife empanado -o prato favorito da Fabine- e nem por isso ela esboçou um sorriso sequer. Franzindo a testa, Vovólima puxou uma cadeira e ficou bem pertinho da Fabine, colocando a mão sobre os seus cachinhos achocolatados:
- O que houve minha menininha? Por que você ta assim tão tristinha? – a expressão da Fabine começou a mudar, sua boquinha vermelhinha começou a apertar um lábio contra o outro e seus olhos começaram a marejar. Com uma voz fininha e trêmula, ela respondeu:
- A Má não quer ser mais a minha amiga!!! – e a pequena desatou a chorar, usando as pequenas mãozinhas para esfregar os olhos.
- Mas porque ela não quer ser mais a sua amiga? – indagou a vovó
- É porque chegou uma menina nova na escola… uma Andréia e ela ficou falando com a Má o tempo todo e no recreio ela não quis brincar comigo.
Com um sorriso no rosto, Vovólima começou a enxugar as lágrimas da sua netinha. Com sua voz acolhedora, ela começa a falar:
- Minha menininha, ela te disse que não queria ser mais a sua amiga, assim com essas palavras?
- Não… snif… não disse…
- Pois bem, ela ainda é sua amiga. Vocês se conhecem desde pequenas – são inseparáveis. Ela te falou o porquê ela não queria brincar? – indagou a vovó passando a mão na cabeça da neta.
- Não… mas ela sempre vai brincar comigo! Ela preferiu ficar com a Andréia!! – Fabine retruca com o rostinho molhado e fungando o nariz. – Se ela fosse a minha amiga mesmo, teria ido brincar comigo!!
- Fabi, você sabe o que é amizade?
- Num é uma pessoa que gosta de brincar com outra? Fazer tudo junto?
- É sim e é não. A amizade é como uma linha de costura. Todos nós temos a amizade em nós. Só que ela fica solta, ao sabor do vento, esperando que outra pessoa segure a outra ponta. Às vezes, essa linha fica bem curtinha, assim uma pessoa fica bem próxima da outra – como se fossem uma coisa só. Mas o que a maioria de nós esquecemos, é que essa linha faz parte de um enorme carretel, que pode ficar longo, longo… tão longo que podemos perder de vista, mas temos certeza que lá do outro lado tem uma pessoa que está ligada a nós.
- O que a Má fez foi segurar a pontinha da linha do carretel da Andréia, mas não foi por isso que ela soltou o seu. Quando você ficou com raiva dela por não querer brincar, você deixou a sua linha bem longa e ficou longe dela. Se você puxar essa linha novamente, você encontrará a Má e ainda poderá conhecer uma nova amiga – porque você não tenta fazer isso amanhã? – a vovó se levanta dando um beijo na testa da neta.
Fabine ficou pensando em todas aquelas linhas e carretéis, cada um com sua cor, uma mais brilhante do que a outra. Ela olhou no verso da sua blusa e viu um monte de linhas cruzando umas com as outras para unir os panos, botões e os desenhos bordados que ela tanto gosta. Após um suspiro leve, ela fala:
- Vóvis, se não fosse a linha o botão nunca ia conhecer a blusa. E agora eles dois estão juntinhos aqui em mim… só que na blusa tem mais botões; acho que a Andréia é um botão também.
E agora era possível ouvir os talheres riscando os pratos, o vento cumprimentando as árvores e as perninhas da Fabine balançando felizes embaixo da mesa.
Escrito por Tio Faso.A linha da amizade
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